Entrevista a José Pimenta Machado, Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente
“A transição para uma Economia Circular é urgente”
José Pimenta Machado é, há pouco mais de seis meses, presidente da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), a entidade responsável pela implementação das políticas de ambiente em Portugal.
A APA tem, designadamente, com o objetivo contribuir para um elevado nível de proteção e valorização do ambiente através da prestação de serviços de qualidade aos cidadãos. No âmbito do PRR, a Agência tem acompanhado a execução física dos três Projetos Integrados da Componente 12 – Bioeconomia Sustentável do Plano de Recuperação e Resiliência que envolvem as fileiras do Calçado, do Têxtil e Vestuário e da Resina Natural.
Em entrevista ao Jornal da APICCAPS, José Pimenta Machado, defende que “o PRR representa uma oportunidade única para alavancar o crescimento económico em Portugal, de uma forma sustentada e assente nas melhores práticas ambientais e na preservação da biodiversidade”.
A APA apadrinhou recentememte a participação dos setores têxtil, vestuário, calçado e da resina no Fórum Internacional de Macau. Que avaliação faz desta presença?
A participação da comitiva lusa no Fórum Internacional de Macau foi, efetivamente, apadrinhada pela APA-Agência Portuguesa do Ambiente mas contou, desde o início, com a adesão total e o entusiasmo por parte dos Consórcios dos três setores.
Numa análise, em retrospetiva, da participação no Fórum, no qual foi apresentado o que de mais inovador é feito em Portugal pelos setores do calçado, do têxtil e vestuário e da resina, no âmbito da Bioeconomia Sustentável, posso concluir que foi claramente um sucesso.
Para além do impacte nos visitantes do Fórum, esta participação foi também muito elogiada pela Organização do evento, pelas entidades participantes que interagiram com a nossa comitiva, e pelos meios de comunicação locais, designadamente a televisão local - a Teledifusão de Macau, que demonstrou o interesse em entrevistar todas as entidades envolvidas na conceção do stand “Portugal Circular – Embracing Bioeconomy Towards Sustainability” – APA e Consórcios.
Foi, de facto, uma participação que cumpriu o objetivo que tínhamos gizado, mostrar que Portugal, no âmbito da Bioeconomia Sustentável, é um país que está na linha da frente da inovação, e, isto, é fruto do trabalho de excelência desenvolvido pelos Consórcios envolvidos, os quais cumprimento uma vez mais.
De que forma as soluções apresentadas se comparam com o que conhecemos em Portugal, no domínio da bioeconomia? E quais foram os elementos que mais o surpreenderam na abordagem da bioeconomia por parte da APICCAPS e do Centro Tecnológico do Calçado, no âmbito do projeto BioShoes4all?
Esta Agência tem acompanhado a execução física dos três Projetos Integrados da Componente 12 – Bioeconomia Sustentável do Plano de Recuperação e Resiliência que envolvem as fileiras do Calçado, do Têxtil e Vestuário e da Resina Natural.
Neste processo, tem sido possível acompanhar e promover o excelente trabalho que as empresas e as instituições do ensino superior portuguesas têm realizado no desenvolvimento de novos modelos de negócio, novos processos e novos produtos no âmbito da bioeconomia.
Parece-me que a sociedade portuguesa, em geral, não está plenamente ciente do nível de desenvolvimento que as nossas empresas detêm, e que as coloca, em determinados setores, na linha da frente da inovação em Bioeconomia e da Sustentabilidade. Por exemplo, o Consórcio do Projeto BioShoes4All trouxe para este Fórum demonstradores de inovação, mas, ao mesmo tempo, mantendo a essência de um produto muito português, o couro curtido com extratos vegetais de diversas plantas. O Consórcio conseguiu obter um couro de excelente qualidade, tão típico de Portugal, mas produzido de forma mais sustentável, com menos compostos tóxicos e consumindo menos água, que é, como sabemos, um bem precioso, cada vez mais escasso.
Qual espera que seja o contributo do projeto Bioshoes4all no Cluster do Calçado?
Sempre tive a convicção, e as evidências assim o confirmam, que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) representa uma oportunidade única para alavancar o crescimento económico em Portugal, de uma forma sustentada e assente nas melhores práticas ambientais e na preservação da biodiversidade.
E é isso que observo ao nível da Componente 12 - Bioeconomia Sustentável, integrada na dimensão da Transição Climática do PRR, onde se enquadram os Projetos Integrados dos três setores. Nesse sentido, considero que o Projeto BioShoes4All será determinante para o futuro do Cluster do Calçado, e por três vias de razão: por ter conseguido congregar cerca de 70 entidades relevantes do setor num Consórcio que se uniu e empenhou e empenha em levar por diante este projeto – e aqui deve ser valorizado o papel da APICCAPS e do CTCP, como líderes do Consórcio; segundo, pelo investimento de cerca de 72 milhões de euros efetuado no setor, e que lhe permite desenvolver e preparar as empresas para se adaptarem a novas tecnologias, desenvolverem novos modelos de negócio e novos produtos inovadores; e, por fim, pela oportunidade de projeção e disseminação internacional que irá, com certeza, levar o calçado português para todo o mundo e conquistar novos mercados, diferenciados, de excelência. Aliás, tudo isto que acabei de referir, pude comprovar no Fórum Internacional de Macau.
Como avalia o potencial de projetos desta natureza na transformação da economia portuguesa?
A economia portuguesa necessita de uma transformação, sendo que para além de um reforço da Bioeconomia Sustentável é também necessário apostar numa transição para uma Economia Circular.
Aliás, estes dois conceitos articulam-se e complementam-se facilmente. Assim, a transformação necessária deve passar, por um lado, pela substituição da utilização de matérias-primas de base fóssil por outras de base biológica, o que irá reduzir a nossa dependência de mercados altamente voláteis e colocar-nos mais próximos de atingir a neutralidade carbónica, e, por outro, pela transição para uma economia mais circular onde se prolongue a vida útil dos produtos, por exemplo através da reciclagem, da reutilização, ou da reparação, e se produzam menos resíduos.
É necessário adotar novos modelos de desenvolvimento económico, que coloquem a natureza, os ecossistemas, a saúde e o bem-estar das populações como prioridades de ação e proteção.
Ora, o trabalho já desenvolvido e apresentado pelos três Projetos Integrados da Componente 12 – Bioeconomia Sustentável do Plano de Recuperação e Resiliência tem feito exatamente isto, pelo que tenho a firme convicção que são estes exemplos, estas boas práticas, que ajudarão Portugal a concretizar a transformação que necessita.
Na verdade, estes três setores irão permitir demonstrar o potencial de utilização de recursos de base biológica e a viabilidade de transição para processos e tecnologias de maior valor acrescentado, permitindo depois replicar as soluções encontradas em diferentes setores de atividade e disseminar iniciativas semelhantes noutras cadeias de valor.
Considerando que a economia circular é um desígnio nacional, e mesmo europeu, que novos projetos serão desenvolvidos nos próximos anos?
A sociedade atual consome mais recursos do que aqueles que o nosso Planeta pode fornecer. Esta situação é insustentável.
Do ponto de vista nacional, aguardamos com enorme expectativa a aprovação do novo Plano de Ação para a Economia Circular, projeto da iniciativa conjunta da Agência Portuguesa do Ambiente e da Direção-Geral das Atividades Económicas (atual Direção-Geral da Economia). Este Plano, com ações transversais direcionadas às políticas, ao financiamento, à educação, à investigação e inovação e às empresas; ações setoriais desenhadas especificamente para setores fundamentais da economia portuguesa; e ações a implementar a nível regional, será o instrumento determinante para colocar Portugal na senda de uma economia mais circular, mais sustentável e mais resiliente, e assim aproximarmo-nos dos índices de circularidade da União Europeia.
Aliás, a presença no Fórum Internacional de Macau foi a primeira participação internacional prevista no âmbito deste projeto, e, como referi anteriormente, com enorme sucesso, porque efetivamente os visitantes puderam comprovar que Portugal se encontra a concretizar o que alguns ainda idealizam.
Tudo isto demonstra o compromisso da Agência Portuguesa do Ambiente e dos setores-chave referidos, com a transição para uma economia circular que a sociedade portuguesa tanto precisa.
A Europa assumiu um compromisso público muito ambicioso no âmbito do Pacto Ecológico Europeu. Portugal terá condições para estar no pelotão da frente?
O Pacto Ecológico Europeu é, de facto, o instrumento central para conduzir a Europa para uma transição ecológica, que permita alcançar a neutralidade climática até 2050.
Mas não se trata só de atingir a neutralidade carbónica, o Pacto Ecológico Europeu representa uma aposta forte na economia circular, em indústrias mais limpas e sustentáveis, no restauro da natureza, em práticas agrícolas mais saudáveis e em assegurar que ninguém fica para trás nesta transição.
A relevância do Pacto Ecológico Europeu é inquestionável, assim como a determinação com que Portugal se posiciona para o cumprir. Acredito que Portugal fará o seu melhor, e estamos orgulhosos no caminho que temos vindo a percorrer. Aliás, prova do nosso compromisso com o Pacto Ecológico Europeu é a antecipação da meta da neutralidade carbónica de 2050 para 2045, como referi na minha intervenção no plenário do Fórum Internacional de Macau, ou a participação ativa de Portugal na definição das linhas orientadoras para a revisão da Estratégia Europeia para a Bioeconomia, dos Princípios para uma Bioeconomia Sustentável ao nível do G20, ou do novo Plano de Ação Europeu para uma Economia Circular.
Chegou há relativamente pouco tempo à presidência da APA. Quais são as suas grandes prioridades?
A APA tem um papel fundamental na gestão integrada das políticas de ambiente e de sustentabilidade de Portugal. E os desafios que se colocam são exigentes e requerem da APA muito trabalho, determinação e rigor. As grandes prioridades da APA colocam-se a vários níveis, desde logo no domínio da Água, pois urge reforçar a coordenação da gestão de eventos extremos, como secas e cheias, e garantir a definição e a implementação de medidas excecionais.
Ao nível da Gestão de resíduos, apostaremos no reforço da recolha seletiva (especialmente dos biorresíduos), na promoção do aumento das taxas de reciclagem, na valorização dos resíduos como matéria-prima, medidas importantes para alavancar a economia circular, e na expansão das centrais de valorização energética com captura de carbono. No que se refere à Bioeconomia Sustentável, queremos reforçar o apoio a projetos inovadores e sustentáveis, que consideramos centrais para a transformação da economia.
No domínio da Economia Circular, importa impulsionar a transição para uma economia circular e de baixo carbono, como um referencial relevante de criação de valor e reforço da competitividade.
A Simplificação e inovação tecnológica é outro objectivo no reforço da digitalização, através da uniformização e desmaterialização dos processos administrativos e técnicos, e do aprimoramento dos sistemas estratégicos de informação, como o SILiAmb/LUA, o SNIRH ou o SNIAmb.
Por fim, vamos atuar no domínio da Comunicação interna e externa, pois pretendemos fortalecer as parcerias estratégicas e incentivar um maior envolvimento público e institucional nas questões do Ambiente.